quinta-feira, 5 de março de 2009

Prisão ou liberdade por 150 cruzeiros

Em 25 de março de 1976, o juiz João Baptista Herkenhoff, então em exercício na 3ª Vara Criminal de Vitória (ES), relaxou a prisão de uma empregada doméstica que furtara 150 cruzeiros de seu patrão, para adquirir uma passagem de trem para uma cidade vizinha. A quantia, corrigida pelo salário mínimo, corresponderia a R$ 116,83.

O magistrado fez diversas referências ao onipresente Jesus Cristo, rogando para que a acusada fosse absolvida também pela justiça divina.

Eis o despacho, proferido em audiência no processo nº 3.721:

“Considerando o pequeno valor do furto;

Considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por esta Terra, em vez de procurar a Polícia por causa de 150 cruzeiros, teria facilitado a ida da acusada para Governador Valadares, ainda mais que a acusada havia revelado sua inadaptação a esta capital;

Considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal;

Considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em 150 cruzeiros, mas não processa os patrões que lesam seus empregados, que lhes negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos;

Considerando que o cárcere é fator criminogênico e que não se pode tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados para, nessa universidade do crime, adquirir, aí sim, intensa periculosidade social;

RELAXO a prisão de Neuza F., determinando que saia deste Palácio da Justiça em liberdade.

Lamento que a Justiça não esteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse esta moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida. Se assistente social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do verbo porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Invoco o poder deste verbo, dirijo a Deus este verbo e peço ao Cristo, que está presente nesta sala, por Neuza F. Que sua lágrima, derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo Nazareno.”

(Publicado no jornal “A Gazeta”, de Vitória, na edição de 26/3/1976)

Fonte: http://www.paginalegal.com/

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